Heróis do mar sem heroínas em terra?
Catarina já tinha aproveitado o “Metáfora ou a Tristeza Virada do Avesso” para falar sobre a crise económica da década de 2010. Tal como hoje, muitas conquistas conseguidas no 25 de Abril eram postas em causa e a cineasta teria de abordar esse facto. Da mesma forma, quando chegou o momento de escrever o roteiro para a “Metamorfose”, a realizadora não resistiu a falar sobre a época na qual eles viveram.
Beatriz e Henrique casaram em 1949, quando Portugal vivia sob a ditadura do Estado Novo. Nessa época, as mulheres “ocupavam um papel muito inferior ao dos homens”, sobretudo nas oportunidades que a sociedade lhes oferecia. Para não destoar, Beatriz era dona de casa, “ficando em terra, a construir a sua família”, enquanto Henrique ia para o mar. Seria possível voltar atrás no tempo e inverter esses papéis? Claro que não, e Beatriz resolveu escolher a segunda melhor opção: virar o foco da narrativa dos homens para as mulheres. Na “Metamorfose” é pelo olhar da Mãe Beatriz que vemos o filme.

No mesmo sentido, a realizadora também resolveu desconstruir o mito dos Descobrimentos. Perante a ideia dos “portugueses extraordinários, desbravadores de outros lugares”, Catarina apontou o seu foco para “aqueles que já viviam no resto do Mundo quando os portugueses lá chegaram”. E como fez isso? Quem quiser saber a resposta, terá de ir ver o filme.
“As emoções ultrapassam fronteiras”
Apesar de “A Metamorfose dos Pássaros” ser um filme sobre a sua família, Catarina nunca quis que ele “ficasse fechado nela”. E a julgar pelos prémios recebidos até hoje, há muitos fãs desta película fora dos Vasconcelos. Depois da exibição no Festival Internacional de Cinema de Berlim a 21 de Fevereiro, chegou o prémio de Melhor Filme na 25ª edição do Festival Internacional de Cinema Kino Pasavaris, em Vilnius. No dia 15 de Outubro, foi a vez do Festival de Cinema de Curitiba, no Brasil.
Apesar de achar que “não devem ser os prémios a ditar se um filme é bom ou não”, Catarina apreciou bastante o último galardão, por resultar da votação do público. Apesar da distância, os espectadores conseguiram rever-se com facilidade na “Metamorfose”. Qual seria o motivo para essa recetividade dos espectadores? No olhar da cineasta, deve-se “às emoções ultrapassarem fronteiras”. Sendo esta uma história “sobre as mães” e “como uma família se sustenta depois da sua perda”, a sua mensagem é universal. Nas palavras da realizadora, “todos já passaram ou hão-de passar por isso”.

A saga continua…
Enquanto continua a promover “A Metamorfose dos Pássaros”, Catarina já está a preparar mais um filme. Mais uma vez, o tema será a morte no contexto da sua família. “É um muito próximo para mim, pelas piores razões”, afirma. A realizadora acrescenta que “todos iremos passar por ela. Por isso, devemos tratá-la com naturalidade”. Contudo, devido às dificuldades de financiamento, ainda teremos de esperar até esta obra ver a luz do dia.
Até lá, teremos a história de Beatriz e os seus filhotes nos cinemas portugueses já em 2021. Haverá alguma antestreia ainda neste ano? Sim, e Catarina deixou uma promessa de nos avisar quando ela acontecer.
Originalmente publicado na Revista Bica a 23 de Outubro de 2020