A visita na hora errada
A manhã daquele Sábado já se encontrava no fim quando cheguei à Rua Santa Catarina. Ainda não sabia como os colegas do Diário iriam reagir à morte do Cordeiro. Contudo, o caminho até à redacção voltou as minhas atenções para outro lado: era o dia da visita oficial do primeiro-ministro, José Carlos Maltez. A viatura oficial iria parar na Praça da Batalha e o nosso chefe de governo iria percorrer o caminho até à Santa Catarina. Com alguma sorte bastaria virmos à varanda para o fotografar.
Eu já nem me lembrava quais colegas tinham sido incumbidos da cobertura do evento, mas a realidade é que eles estavam prestes a ver algo inesperado. Na ideia do Maltez, esta seria uma mera visita à “província”. Talvez ele nem estivesse interessado em interagir com os eleitores, mas apenas em fugir ao caos da capital. Lisboa estava a saque: cada vez mais pessoas acorriam até à única cidade onde havia oportunidades de emprego, mas que já não tinha espaço para eles. Muitos ganhavam o seu salário, mas iam dormir nas ruas. Outros arrendavam lojas que transformavam em casas. O próprio Monsanto acabava de se tornar num autêntico acampamento para os estudantes universitários sem alojamento. Sem tecto, estes novos lisboetas viviam em frequentes zaragatas e distúrbios, não sendo raros os assaltos e os homicídios.

Maltez pensava que iria encontrar o seu descanso aqui no Norte, mas estava enganado. A Rua Santa Catarina encontrava-se cheia de populares, mas as suas faces não mostravam nenhuma alegria na vinda do primeiro-ministro. Os tripeiros sentiam o peso de dois séculos a ser colocados para segundo plano. JC Maltez apenas tinha chegado no ponto de ebulição.