A ganância do engenheiro Queirós
As más notícias chegaram no início de 2019. A Mainside, empresa proprietária do imóvel onde a casa do rock se encontra, resolveu vendê-lo ao grupo francês Keys Asset Management. Os investidores gauleses pretendem transformar o edifício num hotel e nenhum negócio de hotelaria ficaria completo sem um restaurante. 25 anos depois, os novos proprietários querem que o número 16 da Rua de São Paulo volte à sua utilização original. Zé Maria usa a ironia para disfarçar a sua indignação. “Mais um restaurante no Cais! Realmente há poucos, não é?”
A onda gentrificadora que atingiu a capital nos últimos anos está a engolir os espaços noturnos do Cais do Sodré. As rendas sobem para preços impossíveis de comportar. “Meio milhão de euros por um armazenzito! Achas que alguém consegue pagar isso?” vocifera Carlos.
A procura de um espaço tem ocupado o tempo do trio nos últimos meses. Mas um espaço com rendas comportáveis e as condições necessárias tem sido difícil de encontrar. A Câmara Municipal surgiu como uma possível benemérita, mas o pedido de ajuda não deu resultado. Paula lembra-se de ouvir um dos assessores do vereador da Cultura afirmar “o quanto este espaço é importante para a cidade” e “quão mau será perdê-lo”. “Nós somos agentes privados, mas prestamos um serviço público”, relembra Zé Maria. Mas no final, ninguém ajuda a arranjar um espaço.
O produtor de espetáculos suspeita que o arrendamento em 2013 teve como único objetivo a renovação do espaço sem encargos para a Mainside. “Isto estava tudo podre. Agora devolvemos o espaço todo renovado e eles não gastaram um cêntimo”, afirma.
A Mainside é detida pela família Queirós de Carvalho, encabeçada pelo engenheiro José Queirós Carvalho. Trata-se do mesmo proprietário da Pensão Amor e do LX Factory. Este dono do Cais adquiriu os imóveis degradados nos anos 90, enquanto ainda trabalhava na autarquia alfacinha. Agora que o vendeu ao grupo francês, os seus inquilinos enfrentam uma ordem de despejo.
Carlos tenta manter-se otimista, mas o fim anunciado do seu espaço continua a preocupá-lo. Subitamente, o som dos Asimov faz-se ouvir, como se alguma divindade do rock’n’roll lhe dissesse para não desistir. A banda de rock psicadélico prepara-se para começar o seu concerto. Fábio, José e Daniel, mais conhecidos como Freezer, Zé e Dilúvio colocam-se na primeira fila, prontos a assistir à atuação deste Sábado. Carlos observa o espetáculo enquanto brinda com o rapaz à sua direita e o rock’n’roll soa durante a madrugada.

Originalmente publicado em Janeiro de 2020 na Revista Bica