
A maioria das vítimas de excisão genital feminina desconhecia ter sido mutilada, refere Maria Idoia Ugarte, que fez uma investigação sobre o caso em Castela-Mancha. Segundo a antropóloga espanhola, muitas das mulheres e crianças sujeitas à excisão pensavam ter nascido assim.
Numa conferência realizada ontem (8 de novembro) no Departamento de Ciências da Vida da Faculdade de Ciências e Tecnologias da Universidade de Coimbra, intitulada “A mutilação genital feminina em Castela-Mancha – A perspectiva da população procedente de países de risco”, este esquecimento resulta do trauma causado pela mutilação e pelo facto de muitas das vítimas terem sido excisadas antes de completarem um ano de idade. Nas palavras da também professora na Universidade de Castela-Mancha (UCLM), a maioria das mulheres entrevistadas no seu estudo “nunca tinha visto genitais não mutilados”. As imagens de hímenes intactos “causaram surpresa nelas”, afirma Maria Idoia Ugarte. Os próprios maridos das vítimas de excisão desconheciam a condição das suas mulheres. Apenas após terem relações extraconjugais com mulheres não mutiladas conheceram “um clítoris no seu estado natural”, afirma a antropóloga.
Islão: o falso motivo
De acordo com os dados recolhidos por Maria Idoia Ugarte no âmbito da sua investigação, a maioria das vítimas de mutilação genital em Espanha vem da Nigéria. Nos seus países de origem, “é uma falta de respeito falar sobre saúde sexual feminina”, afirma a professora da UCM, acrescentando que a excisão é vista como uma prática ancestral inquestionável. A postura destas mulheres relativamente à mutilação genital tem mudado, após a sua chegada à Europa. A exposição a outras sociedades mostra-lhes a possibilidade de “mudar certos elementos da sua cultura”, afirma a antropóloga. Para além da tradição, a religião representa outra forma de justificar estas práticas. A maioria das vítimas de mutilação genital, geralmente muçulmanas praticantes, pensava estar a seguir um preceito religioso. Maria Idoia Ugarte considera que a alfabetização feminina é uma das formas de combater os rituais de excisão. Nas palavras da antropóloga, “depois de se tornarem capazes de ler o Corão, todas perceberam que nenhum versículo fala sobre a mutilação genital”.
Notícia redigida para a unidade curricular de Géneros Jornalísticos no ano lectivo 2019/2020.